O Carnaval de 2018 foi marcado por um importante debate ambiental. Questionou-se amplamente o uso de Glitter na fantasia, no adereço e nas festas dos foliões, com a finalidade de dar ainda mais brilho à festa carnavalesca.
Muito positivo trazermos à tona este tipo de discussão, visto que a inofensiva purpurina, em decorrência do seu reduzido tamanho e baixo peso, cai sobre o solo e acaba sendo carregada pelos ventos e as chuvas para os corpos hídricos, geralmente arroios e rios e posteriormente alcança os oceanos.
Os pequenos fragmentos plásticos terminam por contaminar solo, água e a biota como um todo. Afetam, inclusive, a cadeia alimentar, pois ao serem ingeridos por organismos marinhos e peixes, corre-se o risco da bioacumulação.
Como fazer? Ficar sem brilho no Carnaval?
Uma das alternativas propostas foi o uso de Glitter comestível na fantasia, o qual teria menos efeitos negativos ao ambiente. A discussão sobre o uso de Glitter no Carnaval e seus impactos ambientais é um importante começo e indica que a população, ou parte dela, considera a variável ambiental em seu dia a dia, inclusive em momentos de descontração e festa.
No entanto, é necessário ir além e debater outros tantos aspectos importantes associados ao Carnaval e à geração de resíduos sólidos. Se o pequeno fragmento brilhante, utilizado na fantasia, adereço, carro alegórico, etc, causam danos ao ecossistema terrestre e marinho e ameaçam espécies direta e indiretamente, a geração de macro resíduos pode ter efeito ainda mais expressivo.
Mas qual será o centro da questão? Será que dar um destino mais adequado para os resíduos produzidos ou apresentar um produto menos prejudicial é o ponto central do problema envolvendo os resíduos sólidos?
O discurso que evidencia a separação e reutilização dos resíduos não é novo, principalmente em campanhas governamentais. Um exemplo familiar são as campanhas de separação de resíduos potencialmente recicláveis (famoso lixo seco) empregadas em alguns municípios brasileiros. Tais campanhas, por vezes, fomentam a crença popular de que ao aderir a essa iniciativa, o indivíduo está “quitando” sua dívida com o meio ambiente.
Annie Leonard, no seu famoso livro “A História das Coisas”, já evidencia o grande problema de se preocupar apenas com a reciclagem dos resíduos:
“Sim, sim, sim, todos devemos reciclar. Mas reciclar não é suficiente. Reciclar nunca será suficiente […]”
Essa questão fica ainda mais evidente, quando atentamos que: para cada saco de lixo que deixamos na frente de nossas casas, outros 70 sacos de lixo foram gerados para extrair, produzir, transportar e comercializar o material consumido.
Consumir ou não consumir!?
Reciclar apenas apaga alguns focos de incêndio, o que evita o incêndio é a mudança de atitude, o sacrifício, a reformulação de princípios. Se quisermos mudar o ambiente que vivemos, é preciso estar disposto a sacrificar velhos hábitos. Mas, quem é que está disposto a abrir mão de algo em prol do bem estar coletivo? Em outras palavras, quem é que está disposto sacrificar seu conforto ou bem estar em prol do interesse coletivo? Mais importante do que participarmos da coleta seletiva é indagarmos quanto a real necessidade de consumo.
Atentar para o microlixo causado pelo Glitter pode ser um importante início de debate, no entanto, perde-se uma preciosa oportunidade quando o assunto dessa magnitude encerra-se em si mesmo.
Que no Carnaval de 2019, além do brilho sustentável, possamos nos desafiar a reduzir os resíduos produzidos, de forma a mudar a preocupação do ‘pensar o descarte’ para o ‘pensar a necessidade do consumo’.
Autores:
- Vanessa Schweitzer dos Santos – bióloga, mestre em Engenharia Civil/Gerenciamento de Resíduos, professora no Centro de Educação Ambiental Ernest Sarlet/Novo Hamburgo/RS
- Rafael Holsback – Professor de Filosofia
Fontes:
A História das Coisas – Annie Leonard
A História das Microbélulas